Pois é, passei o verão a preparar a minha primeira prova com três dígitos de distância e no sábado passado lá acabei com ela.
O treino:
Quem costuma andar por este blog sabe que já ando nestas coisas da corrida há mais de 15 anos, mas nos últimos 10 tenho andado em velocidade de cruzeiro sem fazer nenhum treino específico, escrevi muitas vezes que me faltava o treino de qualidade mas nada fiz para mudar… o ano passado fiquei feito num 8 com a minha primeira ultra 50k em Grândola, e mesmo no inicio deste ano as finalizações das provas com maior dificuldade não foram bonitas.
Nos meus longões gosto muito de ouvir podcasts, e acho que foi num do Billy Yang que o Jason Koop esteve a falar no seu livro “Training Essencials for Ultrarunning“, gostei dos princípios gerais e pelas criticas na Amazon, não era excessivamente técnico e apontado às grandes performances. Então juntei mais este à minha colecção de livros de treino de corrida e fiz a minha leitura, tirei os meus apontamentos, adaptei ao que eu me conheço.
O que eu gostei e aproveitei – o treino ser baseado em duração semanal (aqui adaptamos a elevação conforme a prova para a qual treinamos), não ter longões exagerados mas sim dois longões seguidos (3h ao sábado e 3h horas ao domingo, por ex. – o tempo de recuperação é mais reduzido e há menos risco de lesões), muita valorização das séries, num primeiro ciclo mais rápidas e curtas e no restante plano, mais longas (um dos treinos essenciais é o tempo running, mas em séries ex. 6 X 8 min (ritmo de 10K) com 4 min a trote) muito mais rentável que o treino que fazia antes de 25 a 30 min a ritmo de 10K. Também fiz bastantes Steady State Runs ex. 3 X 25 min a ritmo de meia maratona com 3 minutos a trote.
O que ainda não posso dizer que me adaptei – foi o treino baseado na escala de percepção de esforço – RPE – (que agora até aparece nas actividades do strava) em que 1 é pouco esforço e 10 o máximo esforço. Acho uma boa ideia, mas para mim como corredor de estrada acabo sempre por me basear em ritmos por km.
Também retirei algumas ideias sobre nutrição, mas nada de muito relevante, apenas o facto de ter que meter com 200 kcal por hora durante a prova.
A prova:
Cheguei por volta das 20:00h à Cidade Desportiva de Abrantes, onde estava o secretariado e seria a meta. Levantei o meu dorsal e deixei o saco para a base dos 50km – tinha uns ténis, meias, camisola, 3 buffs, vaselina, alguma fita, toalha, um frontal mais leve e reforço de abastecimento. Depois fui para o carro ouvir o relato do Cova da Piedade vs SLB mas a emoção não me deixava descansar e mudei para a Antena 2 e fechei os olhos, preparei um despertador para as 22:30h, acabei de me equipar e preparar o material na mochila fui dar uma passagem pelo WC e depois aguardar pelo autocarro que nos levaria à partida no centro da cidade.
Já no local de partida foi aguardar pela 01:00h, foi havendo alguma animação com musica e ficámos a saber que só para o 100km seriam cerca de 280 participantes, mais as estafetas de 4 e de 2 e seriam quase 300 à partida. Quando nos dizem para entrar para o local de partida, pensei que iriam verificar o material obrigatório, mas não, apenas apontaram o número do dorsal e siga. O speaker Hugo Água foi animando o pessoal até chegar a hora H.
A partida foi calma, eu também estava descontraído apesar da monstruosidade da distância e da hora tardia, meti o meu ritmo e a minha disciplina – subir a passo e trote em plano e nas descidas. Não parei no primeiro abastecimento aos 7km, continuei sempre com a minha estratégia de ritmo e de nutrição – a cada hora de prova tomar 200kcal (dois geis da prozis e na hora seguinte uma salt bar da gold nutrition, sempre intercalando), nas inclinações mais prolongadas pareceu-me sentir os tendões dos gémeos a queixarem-se, mas deve ter sido porque ainda não estavam quentes e por terem tido uma semana calminha demais. A partir do abastecimento 2, aos 19 km, era obrigatória a passagem para controle do chip e de passagem, o que fiz neste foi igual a todos excepto o dos 50km – atestar a água e beber dois copos de coca-cola, sendo o segundo já em andamento.
A noite passou bem, não tive problemas nenhuns, nem grandes tropeções nem situações digestivas. Cheguei à base de vida dos 50km por volta das 07:30h e estive cerca de 20 minutos a trocar de calçado e de camisola, reforçar a vaselina e para variar um pouco a nutrição, tomei um batido de proteína que tinha preparado no saco e segui viagem. O plano era a partir da segunda metade variar um pouco mais a alimentação para não saturar o sistema de gel e barras, para além do batido de proteína preparei duas sandes de manteiga de amendoim para as horas seguintes, o problema foi que quando tentei comer, parecia-me palha, mastigava, mastigava mas mal conseguia engolir, pensei – “o senhor estômago deve estar farto disto e não lhe apetece trabalhar mais”, a segunda sandes já só fiz uma tentativa e desisti, fui bebendo água. No abastecimento dos 64km sentei-me à sombra da oliveira centenária a beber uma bebida energética que levava preparada na mochila, desceu bem e segui caminho. Não sentia vontade nenhuma de consumir bebidas quentes ou sopa, tinha receio que me fizesse ainda pior, e fui continuando sempre com os dois copos de coca-cola em todos os abastecimentos até ao final.
A partir da base de vida dos 75km, a chuva começou a ser bastante, mas como a temperatura estava amena, deixei-me estar de manga curta. O pior foi a lama que se foi criando, a terra estava sedenta de água e formou logo grandes camada de barro escorregadio, estava todo contente num estradão a descer entre vinhas e era impossível correr, talvez patinar ou esquiar, mas correr não… a progressão aqui reduziu bastante, mas fui sempre progredindo. Penso que foi por volta dos 80 km que andámos junto a um rio numas passagem muito delicadas em xisto, onde havia uma corda para descer e tudo, aí a progressão também era bastante lenta com receio de queda ou esticar algum tendão mais do que devia. As pernas estavam bem e a cabeça também não tinha ideias tristes.
A passagem pelo abastecimento dos 90km foi como as outras a sair com o copo de coca-cola e já faltava tão pouco, só apetecia que fosse sempre a descer com um pendente suave mas a descer, mas tenho a sensação que a maior parte desses 10km foram a subir, mas sem desesperos, é fazer a subida e é como diz a frase do Gabriel Garcia Marquez “… a verdadeira felicidade está na forma de subir…” e está mesmo do outro lado, chama-se descida e km a menos, depois entrado em zona citadina consegui sempre meter um trote bastante agradável. Quando se começam a ver as torres do estádio, ainda protestei por causa da subida que teria que fazer, mas passou rápido, entrei na pista e estava mesmo feliz por ter terminado com boas sensações e com um tempo bastante bom para uns primeiros 100km – 15horas e 54minutos, 6º no escalão V50 e 87º na geral em 208 chegados. Muito Bom!
As conclusões:
O meu mantra foi: “queres parar? vais ter que acabar!”
Fazer 12 semanas com uma média semanal de 90km, 10 horas e com 1300m+, compensa e faz com que se acabe uma prova destas com um sorriso nos lábios.
Apesar do Filipe Torres (o percurso é diferente mas ainda li uma meia dúzia de vezes o texto do ano passado) achar que a prova de Abrantes não tem subidas, 3000m+ são 3000m+, sei que em Portugal deve ser a mais acessível, mas estive a consultar as minhas notas e por exemplo a grande clássica de Ronda, em Espanha, tem menos altimetria e 16 horas lá é um bom tempo.
Tenho que fazer uma vénia a todos os voluntários e bombeiros que estão durante toda a duração da prova a apoiar nos bastecimentos e pontos críticos e perigosos.
Os abastecimentos estavam mesmo completos, e assim eu fui aproveitando para passar umas dezenas de participantes que iam ficando nos buffets. Não sei se o café expresso era pago ou se a cerveja era paga. Sei que vi termos com café de saco e companheiros de corrida a beber cerveja.
Seria bom que o material obrigatório tivesse uma razão de ser, mesmo não sendo verificado, tinha lá bem clara a nota que não havia copos, e o abastecimento estava cheio de copos de plástico, por acaso não vi nenhum pelo caminho, apenas uma embalagem de gel vazia que recolhi para o meu saco de lixo.
As marcações estavam bem feitas, as vezes que me enganei foi mesmo por distracção.
Tenho pena de não ter uma medalha para recordar este feito, a pala de finisher é uma boa intenção mas podia ser um complemento.
O meu mantra foi: “queres parar? vais ter que acabar!”
Fazer 12 semanas com uma média semanal de 90km, 10 horas e com 1300m+, compensa e faz com que se acabe uma prova destas com um sorriso nos lábios.
Apesar do Filipe Torres (o percurso é diferente mas ainda li uma meia dúzia de vezes o texto do ano passado) achar que a prova de Abrantes não tem subidas, 3000m+ são 3000m+, sei que em Portugal deve ser a mais acessível, mas estive a consultar as minhas notas e por exemplo a grande clássica de Ronda, em Espanha, tem menos altimetria e 16 horas lá é um bom tempo.
Tenho que fazer uma vénia a todos os voluntários e bombeiros que estão durante toda a duração da prova a apoiar nos bastecimentos e pontos críticos e perigosos.
Os abastecimentos estavam mesmo completos, e assim eu fui aproveitando para passar umas dezenas de participantes que iam ficando nos buffets. Não sei se o café expresso era pago ou se a cerveja era paga. Sei que vi termos com café de saco e companheiros de corrida a beber cerveja.
Seria bom que o material obrigatório tivesse uma razão de ser, mesmo não sendo verificado, tinha lá bem clara a nota que não havia copos, e o abastecimento estava cheio de copos de plástico, por acaso não vi nenhum pelo caminho, apenas uma embalagem de gel vazia que recolhi para o meu saco de lixo.
As marcações estavam bem feitas, as vezes que me enganei foi mesmo por distracção.
Tenho pena de não ter uma medalha para recordar este feito, a pala de finisher é uma boa intenção mas podia ser um complemento.
A recuperação foi rápida, apesar de no domingo parecer um desgraçado que para andar tinha que se apoiar nas paredes, na segunda-feira já não tinha dores e terça-feira já estava totalmente recuperado.
E não é que já estou a pensar na próxima…
Aqui fica a minha análise (review) da prova:
Pontos Positivos:
– Boa organização
– Bom apoio logistico
– Percurso sem invenções
– Bons abastecimentos
– Muitos participantes
Pontos Negativos:
– Faltou a medalha
– Faltou verificar o material obrigatório
O registo no strava:
Abraços e boas corridas!
a minha corrida
Muito bom mesmo, sabia que mais ano menos ano ias lá, grande Nuno.
Claro com um tempo de campeão.
Abraço companheiro.
António Almeida
Belas dicas, grande relato, e um tempo espectacular! Muitos parabéns 🙂
Não é qualquer um que tem cabeça (e pernas) para uma aventura destas!
Muito bom! Tenho acompanhado o teu treino nos ultimos meses e notou-se bem que te aplicaste a sério. Assim é que é, depois tens a recompensa! Eu continuo a achar que Abrantes não tem "subidas", e com isto não quero dizer que não se sobe, mas as subidas não são relevantes. O que é, e bastante, é a distancia! 100km são 100km, nunca é fácil! Não sei se é a mais acessível, foi das que me deixaram mais empenado! Gostei muito de a fazer e espero repetir um dia. Um abraço e bora lá para a próxima!
Muitos parabéns pelos 3 dígitos e pela fantástica marca!!!
Um abraço